Os jogos de azar e as apostas esportivas online, popularizadas pelas chamadas bets, estão causando um rombo bilionário no país e aprofundando problemas sociais e de saúde pública. Um estudo inédito divulgado nesta terça-feira, 02 de dezembro, estima que o Brasil perde R$ 38,8 bilhões por ano devido aos impactos negativos desse tipo de atividade, incluindo suicídios, depressão, desemprego, gastos médicos e até encarceramento.
A pesquisa “A saúde dos brasileiros em jogo” foi elaborada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), pela Umane e pela Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental, que reúne quase 200 parlamentares. Apesar de as bets movimentarem quantias gigantescas, o levantamento mostra que os prejuízos sociais superam amplamente a arrecadação do setor.
Só para ilustrar o tamanho do impacto, o valor perdido anualmente seria suficiente para aumentar em 26% o orçamento do Minha Casa, Minha Vida ou reforçar em 23% o Bolsa Família.
O Brasil registrou 17,7 milhões de apostadores em apenas seis meses, segundo os autores. Destes, cerca de 12,8 milhões já se encontram em situação de risco para desenvolver dependência ou transtornos vinculados ao jogo. Com base em parâmetros internacionais, os pesquisadores estimaram: R$ 17 bilhões: mortes adicionais por suicídio; R$ 10,4 bilhões: depressão e perda de qualidade de vida; R$ 3 bilhões: tratamentos médico; R$ 2,1 bilhões: gastos com seguro-desemprego; R$ 4,7 bilhões: encarceramento por crimes relacionados; R$ 1,3 bilhão: perda de moradia.
A maior parte dos prejuízos, cerca de 78,8%, está vinculada diretamente à saúde.O documento alerta que o crescimento explosivo das bets é impulsionado pela combinação entre alta tecnologia, forte marketing, baixa regulação e praticamente nenhum investimento em políticas públicas capazes de conter danos.
Mesmo com a arrecadação crescente, o retorno financeiro continua aquém do necessário para compensar os prejuízos. Em 2024, brasileiros movimentaram R$ 240 bilhões em apostas online, segundo o Banco Central (BC). Beneficiários do Bolsa Família gastaram, apenas em agosto, R$ 3 bilhões em bets via Pix.
Apesar disso, até setembro deste ano a arrecadação tributária do setor somava apenas R$ 6,8 bilhões, chegando perto de R$ 8 bilhões em outubro. A projeção anual é de aproximadamente R$ 12 bilhões, valor muito inferior ao custo social estimado de R$ 38,8 bilhões.
Para agravar o contraste, somente 1% da arrecadação vai para o Ministério da Saúde. Até agosto, isso representou míseros R$ 33 milhões, sem vinculação obrigatória para financiar a Rede de Atenção Psicossocial (Raps), que acolhe pessoas com transtornos relacionados ao jogo.
Segundo a diretora de Relações Institucionais do Ieps, Rebeca Freitas, a expansão descontrolada das bets amplia riscos de endividamento, adoecimento psicológico e vulnerabilidade social. Ela destaca que o problema não é a existência das apostas, mas a ausência de regras e proteção: “A prática está sendo incentivada por um lobby comercial poderoso, ainda que às custas da saúde do povo brasileiro”, afirmou.
Os danos do setor motivaram a instalação de uma CPI das Bets no Senado, que investigou possíveis relações com o crime organizado e o impacto financeiro nas famílias. Contudo, o relatório final foi rejeitado, fato inédito em uma década de CPIs.
No âmbito econômico, a pesquisa conclui que as bets praticamente não geram empregos ou renda. Segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho, apenas 1.144 empregos formais. Os pesquisadores estimam que de cada $ 291, 00 de receita obtidos pelas empresas, apenas $ 1, 00 se transforma em salário.
A pesquisa alerta também que 84% dos trabalhadores do setor não contribuíram para a previdência em 2024, enquanto a média da economia brasileira era de 36%, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
O dossiê A saúde dos brasileiros em jogo destaca como o Reino Unido, referência mundial na regulação das apostas, adota um conjunto de medidas voltadas à prevenção de danos, ao tratamento de dependentes e ao controle do setor. Entre as iniciativas, está o sistema de autoexclusão, que permite ao próprio usuário bloquear seu acesso a todos os sites licenciados do país por períodos que chegam a cinco anos.
Outro pilar é a publicidade rigidamente controlada. Embora permitidos, os anúncios seguem regras estritas: não podem associar apostas a soluções financeiras, mirar menores de idade ou utilizar influenciadores e celebridades que tenham forte apelo entre o público jovem.
O dossiê também destaca que metade da arrecadação tributária das casas de apostas é direcionada ao financiamento de tratamentos e serviços de saúde voltados a pessoas afetadas pelo jogo, um modelo que busca equilibrar a operação do setor com políticas efetivas de proteção social.
O Ieps defende que, já que a proibição das apostas não está em discussão, o país precisa avançar em medidas de proteção e controle. As propostas incluem ampliar a tributação do setor com destino direto à saúde pública; capacitar profissionais do SUS para acolher e tratar pessoas afetadas; proibir propagandas e lançar campanhas nacionais de conscientização; impor barreiras de acesso para menores de idade e grupos mais vulneráveis; e endurecer as regras de funcionamento das plataformas para garantir retorno econômico ao país e reduzir riscos de corrupção.
Representando cerca de 75% das empresas do setor, o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) é contrário à elevação da carga tributária. A entidade afirma que aumentar impostos abriria espaço para que o mercado clandestino cresça ainda mais.
Segundo o IBJR, 51% das apostas virtuais no Brasil já operam na ilegalidade.































































