“Máfia das Próteses”: Empresa Biotronik é condenada a pagar R$ 15 milhões por fraude

A ação, movida pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2018, enquadra a Biotronik na violação da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2014)

Foto: Jovem Pan MG / Divulgação.

A empresa Biotronik Comercial Médica foi condenada pela Justiça a pagar R$ 15 milhões como indenização por dano moral coletivo, em decorrência de sua participação em um esquema de fraudes milionárias envolvendo a comercialização abusiva de órteses, próteses e materiais médicos. A ação, movida pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2018, enquadra a Biotronik na violação da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2014). A empresa alemã foi uma das principais envolvidas no caso que ficou conhecido como “Máfia das Próteses”, no qual materiais médicos eram vendidos a preços superfaturados, muitas vezes prejudicando o Sistema Único de Saúde (SUS) e pacientes de planos de saúde.

 

Esquema de Fraudes e Subornos

O MPF apurou que, entre 2010 e 2015, a Biotronik pagou cerca de R$ 2,5 milhões em bonificações a quatro médicos hemodinamicistas que atuavam em Montes Claros (MG), com foco no atendimento a pacientes do SUS. Para disfarçar a prática corrupta, os pagamentos foram feitos sob a justificativa de consultorias, participação em congressos e palestras. Notas fiscais fraudulentas foram emitidas, sem que os serviços fossem efetivamente prestados. O esquema veio à tona em 2015, expondo um mercado que movimentava aproximadamente R$ 20 bilhões anuais no Brasil. No âmbito do SUS, somente em 2017, 2,3 milhões de órteses e próteses foram utilizadas, gerando um custo de R$ 1,25 bilhão para o sistema de saúde.

 

Decisão Judicial e Condenação

A 2ª Vara Federal Cível e Criminal de Montes Claros reconheceu a simulação por parte da Biotronik para o pagamento de valores a médicos, destacando a gravidade das fraudes que aumentavam as vendas de produtos, muitos dos quais não eram sequer utilizados. A Justiça também determinou que a empresa pague uma multa de 20% sobre seu faturamento bruto do ano anterior ao da instauração do processo, em favor da União. Além disso, a sentença exige que a empresa publique a decisão em veículos de grande circulação e perca bens que tenham sido adquiridos como resultado das fraudes. A Biotronik está proibida de receber incentivos fiscais ou empréstimos de entidades públicas por um período de cinco anos. O valor da indenização será destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

 

Impacto nas Vítimas

O esquema de fraudes impactou severamente diversos pacientes, muitos dos quais passaram por cirurgias desnecessárias, como é o caso de Emanuel de Jesus, de 35 anos. Ele foi convencido pelo neurocirurgião Marco Vasques a realizar uma cirurgia na lombar, em 2016, que durou 10 horas e resultou em ainda mais dores. Após o procedimento, Emanuel descobriu que um parafuso havia sido colocado em seu nervo ciático, o que o deixou com sequelas graves e o forçou a deixar seu emprego no Ministério da Saúde. Outro caso é o de uma mulher que, após uma cirurgia de ligamento no joelho em 2011, feita pelo médico Henry Campos, descobriu que um parafuso de titânio havia sido inserido de forma incorreta, causando sequelas duradouras.

 

Operação Mr. Hyde e Outras Condenações

A operação “Mr. Hyde”, deflagrada em 2016, foi uma das ações que desbaratou o esquema da “Máfia das Próteses”. Doze pessoas foram condenadas por envolvimento no esquema, incluindo médicos e representantes da empresa TM Medical, que fornecia órteses e próteses de baixa qualidade ou vencidas. Johnny Wesley Gonçalves Martins e Micael Bezerra Alves foram apontados como os chefes da organização criminosa e receberam penas de cinco anos e três meses de reclusão. Outros membros do esquema, como o médico Marco Vasques e Henry Greidinger Campos, também foram condenados. O juiz André Ferreira de Brito, responsável pela sentença, afirmou que o Ministério Público trouxe provas robustas sobre a existência da organização criminosa e o vínculo entre os réus.

 

Alterações no Código Penal

Em resposta às práticas fraudulentas reveladas pela CPI da Máfia das Órteses e Próteses, realizada em 2015, a Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera o Código Penal para punir irregularidades relacionadas a cateteres, órteses e próteses. A proposta inclui novos crimes, como corrupção em saúde, reutilização de materiais sem autorização e patrocínio de fraude terapêutica. Médicos que aceitarem subornos para prescrever esses produtos poderão ser condenados a penas de até seis anos de reclusão, assim como profissionais que patrocinem fraudes.

A decisão que condena a Biotronik ainda cabe recurso, mas marca um importante passo no combate à corrupção e fraudes no setor de saúde. O caso revela como esquemas fraudulentos podem comprometer a confiança no sistema de saúde e provocar danos duradouros tanto à população quanto ao próprio setor médico.

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