Moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a neurocientista e biomédica Emanoele Freitas percebeu que o filho, Eros Micael, tinha dificuldades para se comunicar quando ele tinha apenas 2 anos. “Foi, então, que veio o diagnóstico errado de surdez profunda. Só com 5 anos, com novos exames, descobriu-se que, na realidade, ele ouvia bem, só que ele tinha outra patologia. Fui encaminhada para a psiquiatra, e ela me deu o diagnóstico de autismo. Naquela época, não se falava do assunto”, conta a mãe do jovem, que hoje tem 21 anos.
Sendo do nível 3 de suporte do espectro autista, Eros enfrentou dificuldades na vida escolar. Ele frequentou a escola até o ensino fundamental, com quase 15 anos. “O Eros iniciou na escola particular e, depois, eu o levei para a escola pública, que foi onde eu realmente consegui ter uma entrada melhor, ter uma aceitação melhor e ter profissionais que estavam interessados em desenvolver o trabalho”, relata Emanoele.
Apesar dos esforços, o aprendizado acadêmico foi um desafio. “Ele não conseguia ficar em sala de aula e desenvolver a parte acadêmica. Ele tem um comprometimento cognitivo bem acentuado. Naquele momento, vimos que o primordial era ele aprender a ser autônomo. Ele teve mediador, o professor que faz sua capacitação em mediação escolar. Meu filho não tinha condições de estar em uma sala de aula regular, e ele ficava em uma sala multidisciplinar”.
A inclusão escolar e a alfabetização de crianças e adolescentes do espectro autista são desafios fundamentais para garantir os direitos dessa população. O Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado nesta quarta-feira, 2 de abril, foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para ampliar o debate sobre o transtorno do neurodesenvolvimento e combater o preconceito.
Luciana Brites, psicopedagoga e diretora-executiva do Instituto NeuroSaber, explica que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) se caracteriza por déficits na interação social, dificuldades de comunicação verbal e não verbal, e comportamentos repetitivos com interesses restritos. “Por volta dos 2 anos, a criança pode apresentar sinais que indicam autismo. O diagnóstico precoce é fundamental para o tratamento. Como o transtorno é um espectro, algumas crianças com autismo falam, mas não se comunicam, ou são pouco fluentes e até mesmo não falam nada. Uma criança com autismo não verbal se alfabetiza, mas a dificuldade muitas vezes é maior”, pontua.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) classifica o TEA em três níveis de suporte, sendo maior a necessidade de assistência quanto maior o nível.
Os desafios na alfabetização das crianças autistas são reais, mas não impossibilitam sua inserção no ensino regular. “A questão da inclusão é um grande desafio para qualquer escola, porque estamos falando de uma qualificação maior para os nossos professores”, afirma Luciana. Segundo ela, a individualidade de cada aluno deve ser considerada no planejamento pedagógico, com adaptações adequadas.
Luciana sugere atividades para estimular a consciência fonológica, como jogos com sílabas e rimas. “Atividades que podem estimular a consciência fonológica de crianças com autismo são, por exemplo, com sílabas, em que você escolhe uma palavra e estimula a repetição das sílabas que compõem a palavra. Outra dica são os fonemas, direcionando a atenção da criança aos sons que compõem cada palavra, sinalizando padrões e diferenças entre eles”.
A inclusão depende de um tripé formado por famílias, escolas e profissionais de saúde. “Professor, sozinho, não faz inclusão. Tudo começa na capacitação do professor e do profissional de saúde. É na escola que, muitas vezes, são descobertos os alunos com algum transtorno e encaminhados para equipes multidisciplinares do município”, ressalta a especialista.
Mãe em tempo integral
Na Ilha do Governador, zona norte do Rio de Janeiro, a dona de casa Isabele Ferreira da Silva Andrade também enfrenta desafios na criação dos filhos autistas, Pérola, de 7 anos, e Ângelo, de 3 anos. “Eu a levei no pediatra porque ela já tinha 2 anos e estava com o desenvolvimento atrasado, não falava muito. Ela falava uma língua que ninguém entendia. Vivia num mundo só dela, não brincava, não ria. Comecei a desconfiar”, conta. O diagnóstico de autismo veio após avaliação médica e acompanhamento especializado.
Seu filho mais novo, Ângelo, apresentou regressão após o primeiro ano de vida. “Ele foi encaminhado ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps) da prefeitura. Fizeram a avaliação dele lá, por uma equipe multidisciplinar”. A demanda intensa de terapias fez com que Isabele precisasse deixar o trabalho. “O cuidado é integral. Parei minha vida. Eu era caixa de lotérica”.
Política Nacional
O Ministério da Educação (MEC) tem a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva desde 2008. Segundo a pasta, 36% das escolas contam com salas de recursos multifuncionais. Em 2022, o Brasil tinha 1.372.000 estudantes público-alvo da educação especial matriculados em classes comuns, representando 89,9% das matrículas desse público.
Garantir a inclusão de crianças autistas na educação formal é um desafio que exige comprometimento de toda a sociedade.