Com a conta de luz ano a ano mais cara, o governo diz buscar alternativas para aliviar o bolso do consumidor. O setor de energia elétrica, contudo, é cético sobre os efeitos dessas medidas, e relembra o fantasma do governo Dilma (PT), quando um corte de 16% do preço da conta, em um cenário diferente, resultou em um aumento brusco ainda mais acentuado nos anos seguintes.
Neste mês, o governo federal assinou uma Medida Provisória (MP) que promete uma redução média de 3,5% do valor da conta. Isso foi possível com a antecipação de recursos devidos pela Eletrobras. Na prática, a decisão pode reduzir a conta, mas apenas de forma temporária, avalia o CEO da América Energia e membro da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Andrew Storfer.
“A perspectiva é que as tarifas continuem em patamares mais altos. [A antecipação da Eletrobras] é como se você antecipasse o 13º. Pode fazer isso, mas lembre-se de que, quando chegar o Natal, não terá esse dinheiro, pois o antecipou”, explica. Ele avalia, ainda, que uma mudança estrutural no setor é necessária, contudo não tem perspectiva de que ela ocorra no curto prazo. “Acho que as soluções serão pontuais, melhorando um pouco aqui e ali. Fazer um ajuste no setor elétrico não é simples. Há contratos e investimentos de longo prazo, e não é possível mudar do dia para a noite”.
O setor é marcado por um período turbulento na última década. Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff (PT) anunciou uma redução de 16% na conta, que de fato foi concretizada. Depois de 2014, porém, a medida teve um “efeito rebote” por motivos que, até hoje, são discutidos no setor. O cenário atual não é igual ao de então, mas inspira cuidados para não repetir erros com consequências para o bolso do brasileiro, sublinha o consultor do setor de energia Fernando Umbria. “Quando ouço essas soluções apresentadas, sempre fico com um pé atrás, porque o passado nos condena”.
Encargos e impostos pesam na conta de luz
Nas contas da Cemig, somente 26% do valor pago pelos consumidores são destinados à remuneração direta da companhia. A maior parte dos demais 74% são alocados para cobrir encargos setoriais (19,3%), ICMS e PIS/Cofins (16,7%) e energia comprada (28,8%). Os valores são estabelecidos pela revisão tarifária mais recente da Cemig, de maio de 2023. Uma nova revisão está prevista para o próximo mês.
Um dos custos que pressionam os preços é o pagamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), também em discussão no governo. A CDE é basicamente uma caixa que engloba o pagamento de diversos subsídios garantidos pelo governo, como a tarifa social, destinada a famílias de baixa renda, e incentivos para o setor de energia limpa. A maior parte dessa conta é paga pelos consumidores.
Em 2024, a projeção é que os consumidores arquem com cerca de R$ 32,7 bilhões da CDE, o que representa 12,5% do valor das contas de luz, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), citada pelo “G1”. É um valor que tende a continuar a crescer: uma projeção do Centro de Infraestrutura (CBIE Advisory) estima que a CDE chegue a R$ 64,6 bilhões em cinco anos, até 2029. Ou seja, no modelo atual, os consumidores pagarão cada vez mais pelos subsídios.
Uma mudança é uma discussão de longa data, pondera o consultor Fernando Umbria. “A reinvindicação de que os valores da CDE sejam alocados no Orçamento Federal é antiga. A questão que sempre é apontada pelo governo é que ele não tem espaço para absorver isso. É o velho problema do cobertor curto. O governo não consegue mais colocar nada no Orçamento”.
O assunto foi endereçado algumas vezes pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, desde o ano passado. Ele disse ter apresentado ao presidente Lula (PT) e ao ministro da Economia, Fernando Haddad, alternativas para reduzir a conta. Uma delas seria colocar os subsídios no Orçamento da União.
É uma possibilidade rechaçada por outra parte do governo. Em entrevista à “TV Globo” divulgada nessa segunda-feira (22/04), o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou que há “zero espaço” no Orçamento para acomodar novas despesas relevantes, como os subsídios. Ele sublinhou que isso poderia ter um efeito contrário do esperado e aumentar a inflação, uma vez que, em suas palavras, “o país vive um equilíbrio muito tênue”, e novos gastos poderiam afetar o câmbio, repercutir na inflação e aumentar o custo de vida da população de menor renda.
Para o CEO da América Energia, Andrew Storfer, o momento atual é particularmente delicado para uma grande revisão da CDE. “Essas mudanças só são possíveis em épocas em que temos estabilidade no país, com contas equilibradas e menos polarização. Hoje, acho difícil que nessa situação, em que temos polêmicas, como a reforma tributária, peguemos um assunto delicado como a reformulação do setor elétrico”, diz.
O consultor Fernando Umbria acrescenta que, no longo prazo, a CDE pode baixar devido ao fim de alguns subsídios, mas reforça que é necessário repensá-la. “Se fizermos um pente-fino nas contas arcadas pela CDE, eu diria que duas ou três de fato têm justificativas muito razoáveis, faz todo sentido que sejam mantidas e até mereceriam uma elevação de valor. Principalmente a tarifa social”, conclui.