A justiça brasileira rejeitou um pedido de anulação da patente do spray de marcação de barreira em campos de futebol, invenção do brasileiro Heine Allmagne, de Ituiutaba, Minas Gerais, movido pela Fifa. A decisão foi proferida pelo juiz Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro, nesta quinta-feira, 21 de Março de 2024. As informações são do portal da revista Veja.
Conforme foi noticiado pela Veja, o juiz afirmou que o spray atendeu a todos os requisitos da Lei de Propriedade Industrial, contrariando a alegação da Fifa. A decisão considerou também uma perícia técnica que reconheceu a originalidade da invenção.
Brito Fernandes escreveu: “Analisando todo o conjunto probatório, verifica-se que restou comprovado o atendimento aos requisitos de patenteabilidade do registro da patente de modelo de utilidade PI0004962-0, devendo ser julgada improcedente a pretensão autoral.” A Fifa foi condenada a pagar as despesas processuais e honorários advocatícios.
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) havia concedido e confirmado a patente no Brasil, mas ao longo do processo passou a favorecer a Fifa. O juiz destacou que o INPI mudou de posição com base em normas inexistentes no momento da análise, e que mesmo sendo aplicáveis, não invalidariam a patente.
Em 2021, a Fifa foi condenada pela justiça brasileira por má-fé em negociações. No novo processo, a Fifa tentou revogar a patente.
Segundo a advogada Larissa Teixeira Quattrini, que representa o inventor Tijucanano, esta foi a primeira decisão a analisar detalhadamente o mérito da questão e a refutar todos os argumentos da FIFA. Baseando-se em uma perícia técnica, o tribunal reconheceu que a espuma usada nos campos de futebol é uma inovação única e que sua patente é válida do ponto de vista técnico e legal.
O brasileiro comemorou a decisão dizendo: “Considero essa vitória também do Brasil. É o reconhecimento não só jurídico, mas também moral, de um direito legítimo que tentou ser anulado por uma das entidades mais poderosas do mundo”.
Entenda o caso
Em 2002, a utilização obrigatória do spray para marcar a distância de 9,15 metros entre a barreira e a bola em competições oficiais foi estabelecida no Brasil. Somente em 2009, o dispositivo começou a ser empregado em jogos da Copa Libertadores da América, e foi nesse mesmo ano que a Fifa considerou sua utilização em partidas oficiais.
Em 2012, a entidade manifestou interesse em adquirir os direitos da patente da Spuni, uma empresa de Allmagne. A partir desse momento, a Fifa proibiu qualquer negociação de venda com outras empresas, alegando a necessidade de mais testes e, assim, adiando qualquer proposta formal.
A oferta surgiu no início de 2014, após a aprovação do spray para uso na Copa do Mundo no Brasil. Por e-mail, o então diretor de marketing da Fifa, Thierry Weill, propôs a compra da patente por 500 mil dólares. No entanto, esse valor não cobria os custos de renovação das patentes em 44 países ao longo de 14 anos.
Mesmo com os árbitros da Fifa recebendo treinamento e unidades do spray para a Copa de 2014, a marca Spuni foi ocultada durante o torneio realizado no mesmo local onde o dispositivo foi desenvolvido.
No entanto, o ex-diretor financeiro da Fifa, o argentino Julio Grondona, indicou ao inventor que a patente valia pelo menos 40 milhões de dólares. A proposta nunca se concretizou e, após a morte de Grondona em 2014, a FIFA recusou a compra.
Para Heine Allemagne, ficou evidente a estratégia que a entidade tentou empregar: adquirir a patente do spray por um valor insignificante para então vendê-la por uma quantia exorbitante.
Ao oferecer a patente à empresa mexicana PPG-Comex, Allemagne descobriu que a empresa já estava produzindo o spray com a aprovação dos membros da Fifa. Estes, por sua vez, convidaram os fabricantes clandestinos a participar do seu Programa de Qualidade, buscando assim legitimar os dispositivos piratas em suas competições.
Em 2021, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu que a Fifa deve indenizar a Spuni por violar a boa-fé nas negociações para adquirir a patente.
O valor da compensação pelos danos materiais causados pelo uso não autorizado do produto está sendo avaliado. Adicionalmente, a Fifa foi obrigada a pagar 100 mil reais por danos morais. A Fifa está recorrendo dessa decisão.
Naquela decisão, o desembargador Francisco de Assis Pessanha Filho apontou que a entidade “atuou em flagrante má-fé negocial, violando o nome da empresa autora e quedando-se inerte na concretização do negócio jurídico”. O magistrado lembrou que a federação adotou medidas contraditórias, ao usar reiteradamente o produto de graça, enquanto a Spuni se colocou à disposição para transferência de expertise. “Não restou oferecida uma contrapartida condizente com a natureza da tecnologia”, ressaltou.
CLIQUE AQUIe leia na integra a sentença do pelo juiz Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que favoreceu Heine Allmagne.