Nesta terça-feira, 4 de fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou a tese de “racismo reverso” em um caso envolvendo um brasileiro negro acusado de ofender um italiano branco por meio de comentários sobre a cor da pele.
Com decisão unânime, a Sexta Turma do STJ afirmou que o conceito de “racismo reverso” não se aplica, e que qualquer ação baseada nesta alegação deve ser descartada pelos tribunais brasileiros. No julgamento, o colegiado afastou a possibilidade de reconhecimento do “racismo reverso”, ao argumentar que “a injúria racial não se configura como ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por essa condição”, ressaltando que “o racismo é um fenômeno estrutural que historicamente afeta grupos minoritários, não se aplicando a grupos majoritários em posições de poder.”
De acordo com a denúncia do Ministério Público de Alagoas, o réu teria cometido injúria racial contra o italiano por meio de um aplicativo de mensagens, chamando-o de “escravista cabeça branca europeia”. A troca de mensagens ocorreu após o réu não receber pagamento por serviços prestados ao estrangeiro.
Lei protege grupos historicamente discriminados
O relator do pedido de habeas corpus, ministro Og Fernandes, destacou que o caso revela uma ilegalidade flagrante. Segundo ele, a tipificação do crime de injúria racial, prevista no artigo 2º-A da Lei 7.716/1989, tem como objetivo a proteção de grupos minoritários historicamente discriminados. “A interpretação das normas deve levar em conta a realidade concreta e a proteção de grupos minoritários, conforme as diretrizes do Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”, afirmou.
Com base no protocolo, que reconhece o racismo como um fenômeno estrutural resultante da hierarquia racial imposta por grupos dominantes ao longo da história, o ministro ressaltou que a injúria racial só se configura quando há uma relação de opressão histórica — o que não se aplicava ao caso em análise. O ministro também mencionou o artigo 20-C da Lei 7.716/1989, que trata de atitudes ou tratamentos discriminatórios que causem constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, com base em cor, etnia, religião ou origem.
População branca não se enquadra como minoritária
Para o relator, “a expressão ‘grupos minoritários’ indiscutivelmente não se refere ao contingente populacional de uma coletividade, mas àqueles que, embora possam ser numericamente majoritários, não estão igualmente representados nos espaços de poder, seja público ou privado, e que frequentemente são discriminados, inclusive pelo próprio Estado, tendo, na prática, menos acesso ao pleno exercício da cidadania.”
“Não é possível conceber que a população brasileira branca possa ser considerada minoritária. Por conseguinte, não há como a situação descrita nos autos ser enquadrada como crime de injúria racial”, avaliou o ministro.
Em seu voto, Og Fernandes afirmou que, embora seja possível haver ofensas de negros contra brancos, quando a ofensa se baseia exclusivamente na cor da pele, tais crimes contra a honra devem ser enquadrados de outra forma, e não como injúria racial.
“A injúria racial, caracterizada pelo elemento de discriminação, não se configura no caso em questão, sem prejuízo de eventual análise sobre a ofensa à honra, desde que adequadamente tipificada”, concluiu o relator ao conceder o habeas corpus e afastar qualquer interpretação que considere a injúria racial aplicável a ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por sua cor de pele.