Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas foram denunciadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira, 18 de fevereiro de 2025, sob acusações de tentativa de golpe de Estado, organização criminosa e outros crimes contra a democracia. A Procuradoria-Geral da República (PGR) detalhou um plano supostamente arquitetado para enfraquecer as instituições democráticas e impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre os denunciados estão figuras-chave do governo Bolsonaro, como o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, Walter Braga Netto, e o ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Barbosa Cid. Segundo a PGR, o grupo teria usado ameaças graves e planejado medidas para comprometer a estabilidade do país.
O ministro Alexandre de Moraes notificou, nesta quarta-feira (19/02), a defesa dos acusados sobre o recebimento da denúncia pelo STF, e concedeu um prazo de 15 dias para que os advogados dos denunciados apresentem suas manifestações no processo. Caso a defesa envie questionamentos à PGR, Moraes também poderá estipular um prazo para que a instituição responda ao que for solicitado.
Moraes também tornou pública a íntegra da delação premiada de Mauro Cid, afirmando que “A manutenção geral do excepcional sigilo da colaboração premiada não mais se justifica na preservação do interesse público, pois não é mais necessária, nem para proteger os direitos do colaborador, nem para garantir o êxito das investigações”.
Delação de Mauro Cid e o papel de Braga Netto
A delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid foi um dos pilares da denúncia. Em seu depoimento à Polícia Federal, Cid admitiu que omitiu informações sobre o ex-ministro Walter Braga Netto em suas primeiras declarações, alegando respeito à hierarquia militar. No entanto, ele revelou que Braga Netto foi peça-chave na articulação do plano golpista, com reuniões estratégicas realizadas em sua residência em 2022.
Cid também afirmou que Bolsonaro e Braga Netto incentivaram manifestações em frente aos quartéis, alimentando a esperança de que as Forças Armadas interviessem para reverter o resultado das eleições. Um vídeo citado na delação mostra Braga Netto conversando com manifestantes e afirmando que “ainda não havia terminado e algo iria acontecer”.
A delação de Mauro Cid foi apontada como um dos principais elementos que embasaram a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Acusações envolvem “tentativa de golpe de Estado” e “planos de assassinato”
O ex-presidente é imputado pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, liderança de organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. A acusação se baseia na Lei Federal 14.197, sancionada após diversos vetos pelo próprio Bolsonaro em 2021, que tipifica crimes contra a democracia.
A denúncia da PGR aponta que Bolsonaro começou a adotar um tom de confronto com as instituições democráticas já em 2021, e que intensificou seu discurso antidemocrático após as eleições de 2022. O ex-presidente teria participado ativamente da redação de um decreto que visava garantir respaldo jurídico a uma intervenção militar, apresentado aos comandantes das Forças Armadas no final do ano em que Lula foi novamente eleito.
O documento afirma que “Há evidências minuciosas de reunião ocorrida no dia 14 de dezembro de 2022, onde uma nova versão do decreto golpista, já com os ajustes feitos por Jair Bolsonaro, foi apresentada pelo General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira aos Comandantes das três Forças Armadas”. No entanto, a estratégia não obteve a adesão esperada entre os militares de alta patente, o que acabou frustrando a tentativa de golpe.
Nas acusações, foi apresentado também o suposto plano “Punhal Verde Amarelo”, que teria como objetivo assassinar o ministro Alexandre de Moraes e os representantes eleitos do poder executivo federal, Lula e Alckmin, antes da posse. Segundo a PGR, Bolsonaro teria conhecimento e concordância com o plano, que fazia parte de um esquema mais amplo para inviabilizar a transição de governo e consolidar uma ruptura institucional.
A PGR sustenta que o esquema foi articulado em meio à divulgação de relatórios do Ministério da Defesa que concluíram não haver indícios de fraude nas eleições. Mesmo diante dessas evidências, Bolsonaro e seus aliados insistiram em questionar o resultado das urnas e alimentar o discurso de ruptura. Segundo a denúncia, Bolsonaro sustentava a esperança de que algo que pudesse ser utilizado para convencer os militares a aderir e concretizar o plano iria acontecer a qualquer momento.
O documento menciona ainda que os comandantes das três Forças Armadas assinaram uma nota oficial autorizando a permanência dos manifestantes diante dos quartéis, o que teria ocorrido sob ordens de Bolsonaro.
Com base nessas evidências, a PGR sustenta que Bolsonaro não agiu sozinho, mas contou com um núcleo de aliados, assessores e militares para viabilizar o suposto plano golpista.
Próximos passos no STF
Posterior à etapa de apresentação dos argumentos pela defesa dos acusados, o caso será analisado pela Primeira Turma do STF, composta por Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Flávio Dino e Cristiano Zanin, que determinará se há elementos mínimos para levar o caso a julgamento. Se a denúncia for considerada apta, os acusados se tornarão réus e o processo seguirá para a fase de ação penal, onde serão coletados depoimentos e provas para um julgamento definitivo. Os ministros do STF afirmam que o julgamento deve ocorrer ainda em 2025, com o objetivo de evitar que o processo contamine o cenário eleitoral.
O documento é apontado pelas instituições como “robusto”, uma vez que a investigação possui 270 páginas de depoimentos, provas e apontamentos, o que supostamente inviabilizaria qualquer chance de anistia pelo Governo Federal.
Se aceita pelo STF, a denúncia transformará Bolsonaro e os demais acusados em réus, dando início a um julgamento que pode resultar na prisão dos acusados. Ainda no cenário de aceitação da denúncia, os acusados poderão recorrer da decisão no próprio STF, apresentando, por exemplo, embargos de declaração para esclarecer pontos da decisão colegiada.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não se manifestou sobre a denúncia, assim como nenhum dos demais representantes do governo em exercício.
Veja a lista completa com os 34 denunciados pela PGR:
1. Ailton Gonçalves Moraes Barros
2. Alexandre Rodrigues Ramagem
3. Almir Garnier Santos
4. Anderson Gustavo Torres
5. Angelo Martins Denicoli
6. Augusto Heleno Ribeiro Pereira
7. Bernardo Romão Correa Netto
8. Carlos Cesar Moretzsohn Rocha
9. Cleverson Ney Magalhães
10. Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira
11. Fabrício Moreira de Bastos
12. Filipe Garcia Martins Pereira
13. Fernando de Sousa Oliveira
14. Giancarlo Gomes Rodrigues
15. Guilherme Marques de Almeida
16. Hélio Ferreira Lima
17. Jair Messias Bolsonaro
18. Marcelo Araújo Bormevet
19. Marcelo Costa Câmara
20. Márcio Nunes de Resende Júnior
21. Mário Fernandes
22. Marília Ferreira de Alencar
23. Mauro César Barbosa Cid
24. Nilton Diniz Rodrigues
25. Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho
26. Paulo Sérgio Nogueira De Oliveira
27. Rafael Martins de Oliveira
28. Reginaldo Vieira de Abreu
29. Rodrigo Bezerra de Azevedo
30. Ronald Ferreira de Araújo Júnior
31. Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros
32. Silvinei Vasques
33. Walter Souza Braga Netto
34. Wladimir Matos Soares
Leia abaixo a nota à imprensa enviada pela defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro
“A defesa do Presidente Jair Bolsonaro recebe com estarrecimento e indignação a denúncia da Procuradoria-Geral da República, divulgada hoje pela mídia, por uma suposta participação num alegado golpe de Estado.
O Presidente jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam.
A despeito dos quase dois anos de investigações — período em que foi alvo de exaustivas diligências investigatórias, amplamente suportadas por medidas cautelares de cunho invasivo, contemplando, inclusive, a custódia preventiva de apoiadores próximos —, nenhum elemento que conectasse minimamente o Presidente à narrativa construída na denúncia, foi encontrado.
Não há qualquer mensagem do Presidente da República que embase a acusação, apesar de uma verdadeira devassa que foi feita em seus telefones pessoais.
A inepta denúncia chega ao cúmulo de lhe atribuir participação em planos contraditórios entre si e baseada numa única delação premiada, diversas vezes alteradas, por um delator que questiona a sua própria voluntariedade. Não por acaso ele mudou sua versão por inúmeras vezes para construir uma narrativa fantasiosa.
O Presidente Jair Bolsonaro confia na Justiça e, portanto, acredita que essa denúncia não prevalecerá por sua precariedade, incoerência e ausência de fatos verídicos que a sustentem perante o Judiciário.“